sexta-feira, 23 de abril de 2010

Ao meu caro irmão morto


Meu caro, morto e sóbrio, ofuscante solar
senão eu, quem te penetra a carne, senão eu
dilacerada em pedaços, te soprará aos ouvidos,
eu que te senti, eu que ao mal tocar sua boca
já sentia a fúria contida em seu olhar pasmo
eu, que cobicei seu futuro e depois chorei
ao dizer: "amor não és, em vida. quem sabe em morte"
Ah! se sentisse o pesar que as palavras me causam
o engolir do tempo, o nosso triste tempo.
um tempo a mais e nem mais preciso ouvir-te
cantar os repentes do vem e vão.

Os barcos, meu caro, o bruto, o luto
a tua morte outra vez, a nossa morte, assim o tempo:
engasgando as palavras cada vez mais frias
Pois fria é a ausêcia sua em morte
apesar de me dizerem vivo, pois canta.
rebate em silêncio nos seu golpes brutos
o que digo cravando as unhas no seu coro cabeludo:
"Te amo ainda que isso te fulmine ou que um soco na minha cara me faça menos osso e mais verdade"
 
O futuro está na ausência de calor, de verdade.
E as cores vibrantes gritam em meu olha sem cor:
MORTE!
morte a todos os navegantes da lucidez cotidiana
de ir e vir nos seus nexos frígidos, inrustídos, irmão.
Meu caro, que ardência me faz sua morte.

(inspirado em poema de Hilda Hilst)




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