terça-feira, 3 de março de 2009

Não há morte com jejum

Me acordaram ainda de madrugada!
Ainda nem havia feito o desjejum
E bateram com força três vezes em minha porta.
“Abra!”.
Mas que franqueza!
A esta hora da matina vieram me matar?

Não quis levantar da cadeira
Que me esperassem pelo menos me alimentar
Não se mata um homem de bucho vazio.

Me acordaram na mesa de jantar,
Fantasiada, essa, de café.
“Abra!”
Deveria ter pago o funerário direito
Mas também,
Como preveria esse fatídico dia tão cedo?
Ainda nem sequer almocei.

Não me agrada atender chamados tão bruscos de forma servil
Engoli lentamente meu pão com manteiga
“Ainda nem sequer estou sóbrio!”
Gritei.

Mas que alvoroço me armaram na porta de casa
Até vieram com armas.
Que vergonha,
O que os vizinhos vieram a pensar disso tudo?

Talvez alguma lástima na minha futura catacumba:
“Porque não lhe emprestei aquela camisa mais vezes?”
“Deveria ter tratado-lhe com respeito a última vez que conversamos”
“Ai se soubesse que o amava”
Desculpas esfarrapadas na minha nova lápide. Sem nome, sem endereço, nem data.

“Abra! É a ultima vez que aviso, vamos arrombar!”
Que arrombem a porta,
Estou me lixando para seus avisos
Não se mata um homem em jejum
Não pelo menos com dignidade.

Que quebrem a porta e aquele prato de estante horrível que meu primo me deu
Já vai tarde, ele e eu.
Depois puxem o tapete e me arrastem da cadeira
Só não estranhe o sorriso
É que já sabia da vinda de vocês
São francos demais comigo.

São três fascistinhas de merda que me xingam.
Mas me matam por amor, no fundo sei.
Atiram setenta e duas vezes no meu corpo por que um dia eu amei
Não quem eles queriam, nem do modo que me mandaram.
Mas por amar, que o corpo me alvejavaram
Aposto que um ou dois já leram um livro meu
Assim como o outro deve ter ouvido uma música minha em um bar noturno.

Afinal a alma de um sonhador, que já amou, mesmo morto,
Permaneces em todas as neblinas e penumbrasMesmo nos dias quentes de 36.