domingo, 23 de setembro de 2007

Mad World- Gary Jules

Um quadro raro visto no lusco-fusco do fim da tarde

Aquela sutil tortura vinda do talismã daqueles olhos.
O flerte incansável sobre a morna pele branca. Morna e anestesiante de tão fria a carne, mas tão quente o peito, prensado sobre a mesa, onde ela estava debruçada.
O prazer raro daquela vista era impagável. As curvas ainda mais delineadas naquela situação guardavam uma surpresa aos olhos atentos. De uma forma terna e sensual seu bico arrepiado fugia da camisa entreaberta e completava o quadro.

Seus olhos rapidamente se voltaram pra ele. A mão apoiando a cabeça. Ela sorriu, erguendo suas bochechas e fechando os olhos, restando apenas uma fresta por onde via pouco, mas o suficiente. Via a imagem da certeza. Conformava-se em olhar para a única coisa que sabia que levaria pro resto de sua vida: a lembrança daquela sutil e gostosa tortura, vinda do talismã daqueles olhos que incansavelmente a flertava.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Rosa Pinelli - não morra. Ah...

Eu tentava me concentrar - juro que tentava. Mas ela passava ali, e o cheiro dela... seu perfume, aquela coisa doce, aquela coisa que me tirava do peito um sentimento dolorido, aquele cheiro que faia com que eu saísse de mim.
- Onde está com a cabeça? - minha mãe perguntava.
E eu pensava "Não a tenho, mãe. Oh, mãe, não entende? Agora sou só coração, e ainda assim não o tenho - quem o tem é ela, e guarda-o sem saber. Não vê, mãe? Não sente? Esse cheiro, não o sente? Ah, mãe, esse cheiro me tem, esse cheiro..." - e ela perguntava denovo, dessa vez me dando um tabefe com os dedos fechados na minha nuca:
- Onde está com a cabeça, menino?

Já é.

Venha.
Acorde meu bem.
Lá fora já neva.
Venha,
Já levantei as persianas
O leite quente já esfria na mesa
As cadeiras aguardam
Venha.
Os cachorros correm lá fora
O homem limpa nossa calçada
O eterno resplendor opaco das mortas árvores
Já diz que se foi o florido,
E aguarda a brancura.
Venha!
Já é hora.
Das nuvens tão semelhantes a terra
Vem o brilho amarelo
Derreter nosso pão na boca
Esquentar os pêlos dos cães
Brindar a ressaca dos bebâdos
Venha.
Na rua já passam alguns carros,
Aventureiros em busca de dinheiro.
Saem nas longas e pesadas paisagens de inverno
em busca de nenhum sofrimento.
Demoras demais.
Vai perder tua carona.
Vai esquecer teu lanche
Na volta lembrará e será tarde
Venha sem pressa, mas seja rápida.
Coma a manteiga.
Vamos!
Acorde meu bem. Tem chá na mesa.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Não é meu, mas...

Os ombros suportam o mundo
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

(Drummond)