quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Amina Iceland Tv Performance

domingo, 26 de agosto de 2007

Azul e vermelho

Duas bocas
Duas lindas bocas
Duas lindas loucas bocas
Duas bocas loucas lindas
Lindas duas bocas loucas

Sim, são duas bocas (e que bocas)
Tão próximas, mas tão distantes
São lindas, grossas, bem desenhadas
Pintadas com a mais bela e deliciosa tinta vermelha
Elas querem carimbar a tudo
Se tocam, se mancham de sabor e cor
Se carimbam, estalam, mordem, arranham
Num contraste com o quadro azul que as emolduram
Um lindo azul intocável
De inalcançáveis sonhos e esperança
Uma brilhante escuridão de ilusões
Um engano sutil aos olhos
Uma colcha de sonhos roubados e costurados uns aos outros
Cobrindo a todos
Acolhendo os corpos que se agitam por baixo dela
Carimbados inteiros de vermelho
Ocultando os segredos das bocas, os desejos
As ilusões e sonhos que se tornam apenas mais um
No azul acolchoado do céu

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Fina, bamba, trêmula - Camille.

Camille fazia de tudo para não cair dali. Era alto e ela ia se machucar, sem falar que era sua primeira apresentação no circo da cidade.
"Já vou me encontrar com o olho da rua, denovo" - pensava, enquanto tentava se equilibrar em cima daquela corda fina e bamba, a alguns metros do chão. Ah, esses metros chegavam a parecer quilômetros.
O público olhava para ela com horror, nervoso, medo. Se divertida com isso. As caretas e tudo mais. Mas não podia rir, não podia se desconcentrar. Ia só passando o olho pela platéia, pelo seu chefe, pela fina corda bamba e assim em diante. E a música ia ficando cada vez mais rápida, acelerando o passo e o pulso de Camille.

- Platéia, chefe, corda, platéia, chefe, corda, platéia, chefe, corda -

A música ficava cada vez mais rápida. Camille começava a correr com cautela e medo por cima da corda, e a corda balançava e tremia, fazendo com que esse processo se tornasse cada vez mais difícil. Mesmo assim, continuava: Platéia, chefe, corda, platéia, chefe... O chefe a olhava com ódio. Percebeu isso mesmo estando a quilômetros do chão. Sentiu um rápido calafrio e um tremura, que fez com que perdesse totalmente o equilibrio - chefe, platéia, corda, chefe, platéia, chão, chefe, chão, chão. A música foi se esvaindo, ficando fraca, desaparecendo, sumindo.
Quando acordou, Camille encontrou-se em total confusão. Por mais preto, silencioso, calmo e estático fosse o lugar em que se encontrava, lhe batia um desespero horrível, misturado com a dor insuportável que havia contraido com a queda. Não conseguia respirar direito, não conseguia se mexer. Estava em sérios apuros; desesperada e machucada em lugar nenhum. E sua memória foi indo embora, e suas lembranças foram indo embora, e sua alma foi indo embora, e seu último pensamento foi - preto, corda, platéia (e agora poderia rir das caras e caretas de espanto do público, e ah, como se divertia), preto, corda, branco, corda, branco, corda, branco - e ria.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Vergonha.

Ainda passava um jornal na televisão quando ele caiu no sono. A garrafa pairava levemente vazia ao lado. Ele já roncava como um urso quando o timer expirou e a luz azulada se foi. Quando acordou buscou alguma explicação com a memória, ela respondeu com uma boa dor de cabeça. Tinha passado horas e era ainda noite, tinha algumas coisas em mente, mas antes havia que ter alguma claridade ali na rua. Estava frio demais e nem se via um palmo a frente com aquela névoa toda. “Loucura!” foi a única resposta que o homem deu a sua idéia louca de buscar uns fósforos no mercadinho ainda aberto ao lado. Loucura.
Coçou a barba, mijou de tábua abaixada e nem lavou as mãos. Seu senso de higiene havia sido digerido após anos de solidão naquele apartamento apertado e sujo. Era muito confortável lá, ele sempre se orgulhou de seu conforto, mesmo que ele não seja bem visto pelos arredores. Trinta e cinco anos, cara de quarenta, corpo de sessenta. Puxou mais um cigarro da mesa e olhou as horas. Meia-noite e meia. Na televisão só passava aqueles desenhos que ele detestava. Clássicos, se eles eram desenhos clássicos o que faziam nesse horário da programação? Se fossem clássicos de verdade passariam depois do jornal e antes da novela. Fumou, fumou, acendeu outro e fumou mais. Seu pulmão sempre fora de ferro, nunca havia pegado alguma doença nele, fumava desde os doze e nunca teve algum acesso de tosse. “Esse negócio de câncer é loucura!” gritava ele com os homens. Loucura.
Amigos. Amigo era uma palavra que não ouvia por muito tempo. Faziam exatos quatro meses que perdeu seu último amigo. Atropelado às seis da manhã na estrada. Ele achava absurdo, o que seu amigo fazia lá? No meio do nada, às seis? Bom, o que ele lembrava era de um enterro e essa desculpa para morte de Nei, o atropelado na estrada.
Levantou e foi beber mais um leite puro. Bebeu dois copos inteiros e sentiu a bexiga estourar de novo. Correu para o banheiro e teve um deleite de um minuto maravilhoso.


- Sabe, eu não tenho vergonha mesmo! – falava o mondrugo com cheiro de pinga.
- Nem um pouco? Não queria outra vida? – o homem sentado ao lado acompanhava a conversa.
- Nem um pouco. Eu nasci assim! Deus me fez assim. Por que eu teria vergonha do que Deus fez comigo?
- E dos homens, não tem vergonha do que eles podem pensar?
- Não.
- E das mulheres?
- Sempre me faltou, não tenho mais vontade mesmo.
- Vive como então?
- Nos puteiros! Aonde mais? Você acha que um homem como eu, assim, consegue alguma mulher sem pagar por ela?
- Pensei que podia haver alguma esperança, nunca se sabe.
- Mentira! Mentiram pra todos nós a esperança está morta e enterrada. A última coisa que morre é o medo!
- Medo? Do que?
- O que? – Bebeu mais um gole de cachaça.
- Por que o medo é o último que morre?
- Porque temos medo da morte.
- Você tem?
- Tenho. Tanto quanto você.
- Mas vergonha não, nem da vida?
- Não.
- E como você vive assim?
- Do mesmo que o seu. Passo noites em claro vivendo uma vida falsa que não tenho nem nos sonhos.
- Sei.
- Aquela que o mundo nos vende. Ela vem com desconto pela televisão.
- E vida social?
- Só essa que tenho agora. Com gente que nem você: desconhecida.
- O senhor é bem mais novo do que parece.
- Eu não pareço nada.
O homem não teve coragem de responder, o comentário havia se convertido em ferida. O mondrugo levantou e virou outro gole longo.
- Se quer fazer algo de sua vida, tente não ter medo. Mate-a antes do fim, e talvez você tenha alguma dignidade em vida.
- Juro que tentarei. – O homem levantou e riu. Mais um bêbado. Apertou-lhe a mão viscosa e teve nojo. Aquilo não era homem, era algo, menos homem.


O Mondrugo voltou para casa, tomou dois copos de leite, mijou e teve seu deleite, abriu a gaveta do criado-mudo, tirou o revolver do falecido pai e estourou os miolos durante um comercial.

Pedaço - de uma conversa

-...entende? somos todos "jarras de vidro com um suco de sentimentos" caindo de um prédio de vinte mil andares, que por mais que demore uma hora vai chegar ao chão, se estilhaçando em milhões de pedacinhos de vidro que vão machucar quem estiver passando ali por baixo, abrindo feridas e molhando-as com esse suco de sentimentos que vai se enfiltrar na carne dessa pessoa que estava passando ali, que vai formar outra jarra de sentimentos, e vai cair, e vai cair, e vai cair...

- tem sempre uma luz no fim do tunel... ou nesse caso, um trampolim do lado do prédio, um cardume de pessoas segurando um pano, esperando cair...

E não chegou a ser mandada.

Passarinho,

escrevo-te essa carta como o amigo que uma vez já fui.
Esse amigo que eu já fui, passarinho, se perdeu na bagunça que fizemos a quatro anos. Trancamos esse amigo numa sala e o deixamos lá. E quando abrimos a porta, lá estava ele, morto, sem vida, esquecido, jogado.
E não foi só ele. Foram muitos que morreram. Mas justo esse, esse amigo, passarinho... esse amigo era pra tar vivo, cheio de vida, olhando pra gente ali do canto da sala, enquanto você passava um café.
Café esse que agora me parece amargo, fraco, aguado.

- amargo, fraco, aguado

E aí passarinho. Que fazemos agora? Olhamos para o corpo do amigo esparramado no chão, imóvel, sem vida... ou o enterramos fundo em nossas memórias, onde não podemos mais lembrar quem foi esse amigo... esse amigo morto, enterrado.
E ainda temos mais uma opção. Deixamos esse amigo no quarto em que morreu, trancado, afogamos nossa memórias no bom e velho álcool - num vinho barato ou coisa que o valha - e aí então poderemos acreditar que podemos criar um novo amigo, e criaremos!
E ele vai se tornar real um dia. Seja o efeito do álcool ou seja o efeito de algo maior - não sei o quê, algo maior.
E dessa vez, cuidamos desse amigo para que ele não se perca, e seja enterrado quando nós já não habitarmos mais esse plano - esse mundo, essa vida.

E aí afogamos a tristeza e os pêsames pelo nosso velho amigo, e brindamos a chegada de um novo, um cheio de vida, um amigo!
Que acha, passarinho? Prefere ir ao enterro, ir ao bar, ou ficar olhando alguns bons anos para um corpo, uma carcaça jogada aos corvos?
- ou agora vais me dizer que és um corvo, passarinho?

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Sigur Rós - svefn-g-englar

With Perlan Theater Group

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

II

O garoto levantou após longas horas de sonhos. Aos poucos foi ingerindo o que restara da árvore, seu estômago foi enchendo-se. No frenêsi ele era levado aos outros planos, outras realidades, outros pontos, outras curvas ou retas. O garoto não percebera isso de imediato até que de seu pensamento brotou uma leve névoa.
Que foi levada pelo vento, esparramada pelo céu azul-claro turquesa.
Dela se formou um ser. Idêntico ao menino, era alto e longo, tinha os cabelos espumados sob o vento e se manteve no ar como espectro, submerso em um mar invisível preenchido de brisas. O garoto se levantou e sentou sobre o cotoco final da árvore. Só restava a raiz abandonada na longa paisagem. Tentou ignorar o Espectro e decidiu devolver o gesto ao longo horizonte, tocou de leve a grama enquanto o sol se preparava ao súbito desaparecer. Logo ele se uniria ao chão e deixaria só um borrão de tudo que já se foi. seria um espectáculo a qualquer um. O crepúsculo era nada mais que o passado.
O sol poente refletiu no Espectro. Agora sua aparência sublime cinza se transformara num raivoso laranja, denso e hipnotizante. O mundo continuava rodar no estômago do garoto, que teve de leve um enjoo, nada preocupante, mas mesmo assim irritante. Queria que tudo passasse, que o espectro fosse embora e que sozinho pudesse contemplar o anoitecer que viria em breve. Mas de nada adiantou pensar, logo o espectro se aproximou e tentou lhe tocar a face em vão, não havia uma matéria sequer naquele ser, o gesto não significava, era.
O toque pode não ter sido sentido no corpo do menino, mas por dentro sentiu-se atordoado, perdera de vista o lindo entardecer e se mantinha firme no Espectro. Era ele mesmo? Uma imagem? Mais uma loucura de suas tonturas?
Percebeu que o motivo de tanto estranhamento era que pela primeira vez se sentia tocado por si mesmo, não de dentro pra fora, mas de fora pra dentro. Aquilo mexeu seus nervos, que se puseram a regojitar todo o mundo.

I

O torto nem era tão profundo assim.
Os olhos do menino que viam loucamente a tontura na vista.
Na verdade, reta mais exata que essa nunca veio a existir
E o menino nunca mais viu outra.

O sol refletia ligeiramente,
A pele era mais branca que parda
Mas não albina,
Branca.

A ilusão era permanente em sua vida,
A loucura nem tanto.
Se levantou de canto
E gritou aos Céus
Chamou as nuvens de mentirosas
Voltando sempre a olhar a árvore manifestada em sua frente.

Dura
Seca
Negra.

Era a sabedoria dos anos incorporada e enraizada na terra.
O garoto avançou, sacudiu
As pernas bambas vacilaram.

Tão longe
Tão perto.
Quinze passos longos no gramado.

O toque áspero lhe revelou a história das gerações
O olhar lhe mostrou a sabedoria dos povos
E o gosto não revelou nada.
A Árvore,
Muda
Estática
Negra.

O Nervosismo mexeu sua boca
A bocanhura cresceu, encheu
da casca madura

Num simples instante, o incessante alegrar,
O choro
A risada
O calafrio
A ânsia
Do mundo inteiro desceu à seu estômago.

O garoto desistiu de levantar, deixou o êxtase
lhe levar ao gramado, e o mundo girar em suas entranhas.

Sigur Rós - Glósóli

domingo, 12 de agosto de 2007

recados específicos, sentimentos amplos e visões genéricas

alguns outros fragmentos de um discurso amoroso

(...) ai, ai, vamos começar pelo princípio: ...sinto, percebo e sei que te amo... ok, mas agora voltei a pensar sobre o que vou fazer disso*... oh fuck! ...e eu sempre soube que nada disso seria fácil (ao menos pra mim), ...oh fuck! ...*tenho uma crença, ...a de que não é possível alguém controlar os próprios sentimentos! ...e muito menos os dos outros. ponto. (claro, sei que é possível influenciar, direcionar, "empurrar" ou mesmo inflingir ou impingir, certos sentimentos em certas pessoas ou até mesmo em sociedades inteiras, mas não é disto que estamos falando, ok?) falo do que uma pessoa sente por outra, e da falta de controle com que se dá esse sentir, (e acho que é exatamente por isso que é possível "sofrer pelo que se sente", quando por exemplo alguém sente algo que sabe que não deveria, ou não poderia, ou não é ou não vai ser bom sentir!!!) assim, isso é algo que não se pode nem antecipar (tipo: "vou gostar de fulano") nem reprimir (tipo: não quero mais gostar de beltrana) ...e então, repito: não é possível controlar os próprios sentimentos...o que é possível controlar, são os atos, as atitudes, os pensamentos e, até as justificativas para tal controle forçado e tão autoritário sobre um sentimento tão livre. as vezes me perece que o sentimento é uma coisa tão livre que independe até de quem o sente. hmmm isso é pra levar pra casa pra pensar. ahahaha
(continua...)

Savará!

Sofrimento Produtivo - Produto Válido, devolução permitida.

Sofrimento produtivo. Acho que todos nós já passamos por isso. O momento em que o sofrer é tanto que você consegue espremer dele uma jará inteira de um suco de palavras, todo um caderno preenchido com desenhos ou uma sinfonia inteira, tudo isso explodido do corpo em um único momento. Formas, palavras, notas e tudo capturado pelo papel.
... Acho que todos já passaram por isso e puderam perceber que são desses momentos que saem os melhores "produtos", inteiramente aceitáveis... Mas é claro, devoluções são permitidas.

Esse é o tema e o objetivo desse blog. Servir de caderno pra essas explosões. Aceitarei textos de diferentes tipos e autores. Desenhos, fotos e músicas também.
Críticas produtivas são muito bem aceitas, mas só não me venham com baixarias, por favor.

Até. Sofram todos vocês.
Ah! E amar também é uma forma de sofrer.